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Leitão Pururuca

 

1ª Parte: Na Pele do Porco

 

Queria ser um porco

Até penso que já sou

Sempre fui.

Sempre fui sua agonia.

Agora mesmo,

Grito eu mesmo,

Morro eu mesmo,

Se preciso.

Facada não é preciso

Amar é preciso.

Não quero ser traiçoeiro:

Sem faca - prisão – chiqueiro.

Meu coração é de porca:

Porca mãe das dores sou.

Pururuca está na mesa?

Velório.

Natal – luzes – inocência?

Velório.

Leitão não é homem:

Pega, mata e come!

Porca mãe das dores sou.

Pururuca:

Parece engraçado

Ser tua mamãe.

Engraxado – torresmo.

Assim mesmo

Te abraço – te pego no colo.

Vamos! Me olhe, sorria!

Solte um grunhido

Um gemido – que seja.

Tua mãe é que te chama.

Jogaram-te na chama

Desta nova inquisição.

Porca mãe das dores sou.

 

 

2ª Parte: Parem o Mundo!

 

Jesus nasce,

Porquinho morre de véspera.

Para Jesus – realeza

Para porquinho – frieza

Cristãos: imagem e semelhança

do Deus Eterno

E também das geleiras eternas.

Cristãos ou não:

Por favor, parem de matar

Ou ao menos,

Parem prá pensar!

Parem!

Parem o mundo que eu quero descer”

Descer do caminhão Perdigão

Entulhado, empilhado... de focinhos.

Transporte de bicho – caminhão de lixo

Mais do que isso:

Prenúncio da morte, inferno

Caminhão porqueiro:

Navio negreiro moderno

E para onde irão tantos focinhos?

Para onde, meu Deus, para onde?

Para os verdes campos?

Para as verdes matas?

Sim, para os campos...

De concentração.

Da Sadia – da Perdigão.

Sim, irão para as matas.

Muita mata!

Mata! Mata! Mata!

Porca mãe das dores sou.

 

 

3ª Parte: A Curva do Rio

 

Prezado amigo, irmão:

Acorde deste sono milenar!

Pururuca: acorde, que este dormir não é seu.

Saiamos daqui desta festa

Ritual – máscara – horror... velório.

Vamos fuçar lá no rio

Ou te banho neste rio...

De lágrimas.

Não quero tal coisa bizarra:

Grito de dor e farra.

Macabra festança,

Pro túmulo pança,

Não quero que vás.

Te faço uma cova – te enterro,

Na curva do rio.

No fundo – do meu coração.

Te envolvo em meu manto

Te cubro de beijos,

Te faço acalanto.

Te aninho em meu ninho,

Materno – fraterno,

Da porca que sou.

Porca mãe das dores sou.

 

 

4ª Parte: O Presépio

 

Meu porco, meu punk:

Rasparam teu pelo,

Cabelo arrepiado.

Safado é mesmo

Quem come torresmo

E prá não te matar

Assina procuração,

Prá Sadia - Perdigão

E em todos os natais,

Tem Jesus e os animais.

Presépio criado e armado

Por um coração bichado

Que foi o Santo de Assis

Cenário lindo:

Menino sorrindo,

mulher dando o ceio,

Animais no meio.

Que pena! Que pena!

Veja a próxima cena:

Na mesa, com certeza,

Assado, recheado, sem clemência

É churrasco!

Coincidência – termina em asco.

Onde Jesus nasce

Tem defunto bicho

Pergunto:

Tem sentido tudo isso?

O cheiro é forte

Leitão não tem mesmo sorte.

É a morte, não tem perdão

Assinaram a tal procuração  - assassinaram

Segue portanto a festa

Luzes, música, orquestra.

E o que mais me espanto

É esse canto que diz:

Noite feliz! Noite feliz!

Bom seria fosse um hino

Manifesto dos suínos

De revolta, de protesto

Porca mãe da dores sou

 

 

5ª Parte: Espírito de Porco

 

Sensação estranha em mim

Entranhas de porco em mim

Um sentimento de porco

Coração, focinho, cara, olhos, ouvidos,

Bem resumido:

Um espírito de porco

Me inunda, se funde, confunde

Sem nenhuma discrepância

Assim era lá na infância:

Vendo um porco em agonia

Outro ser em mim morria

Gente fria, faca fria

Penetrava cruelmente

Afiada, reluzente

No coração do suíno

... No coração do menino

Esguicho de sangue quente

Lágrima quente

Menino aflito

E o grito, quase infinito

Coração do porco pára

Coração do menino... dispara

Por favor, amigo leitor

Partilhe comigo e o porco esta dor:

Incorpore um espírito de porco

Chore!

Ouça o grito!

Ouça o eco!

Churrasco, asco, asco, asco...

Alcatraz - humano atroz

"Liberdade, liberdade!

Abre as asas sobre nós!"

Castro Alves por piedade,

Seja agora nossa voz.

Por tudo o que é sagrado

Senhor Deus dos desgraçados

Dizei-me Vós Senhor Deus

Se é loucura, se é verdade

Tanto horror perante os céus...”

...Astros, noites, tempestades,

rolai das imensidades,

varrei os mares tufão!"

Nos ares som estridente

Ouça o eco novamente:

Ser cristão é ser clemente, mente, mente, mente...

Inclemente predador, dor, dor, dor...

Clamor de amor no salame, ame, ame, ame...

Vitela, prato farto, refinado

Boi que engorda confinado

Tudo termina em finado

Mesma sina - feminina:

Mortadela, morte dela, morte dela

Boi no pasto é desmatar, matar, matar, matar...

Frutas sobra  caroço

Bois no Mato Grosso, osso, osso, osso...

Ditadura em animais

Há tempos imemoriais

Ditadura, dura, dura, dura...

- Ato Institucional

- AI-5 animal é assim:

Ai! Ai! Ai! Ai! Ai!

Berros a cada segundo

Ecoando pelo mundo

Reverberandoberrandoberrando

E peixe que não berra

Mas sente dor

Literalmente se ferra

 

 

6ª Parte: Somos Mãe

 

Covardia, sacanagem, degradante.

Nada há mais revoltante

Para o menino que chora

E que ainda mora em mim.

Que de tanto querer bem,

Mãe da porcada é também.

Aquela mesma senhora

De quatro patas – focinho

Que em dezembro 24

Assam o filho porquinho.

Festival pleno de horrores

Porca madona das dores

Todo ano – me ufano de ser.

Mil vezes te matam,

Te assam, te comem,

Porca mãe das dores sou.

Honrado me sinto

De ser a mãe porca

Mãe cadela

Baleia orca

Gazela

Mãe pata

Mãe vaca

Mãe gata

Mãe cabra

Mãe cobra

Coelha

Ovelha

Mãe d’água, limpa ou suja

Mãe coruja

Mãe de toda passarada

Mãe galinha

Sardinha enlatada, atum

(Coração de mãe sempre cabe mais um)

Abelha rainha

Mãe natureza

Mãe Terra!

Em toda beleza

Que a palavra encerra.

Terra – terráqueos

Humanos – batráqueos

Como se fossem um só

É pau – é pedra – é pó

Se berra ou não berra

Se é bicho da terra

Dos ares

Dos mares

Com barba ou sem barba

Com rabo ou sem rabo

Com teta ou sem teta

Com asa ou sem asa

É aqui sua casa

Planeta – azul borboleta

Primo – primata – macaco

Bem vindos a este mui lindo barraco

Somos todos farinha do mesmo saco

 

 

7ª e Última Parte: Compaixão

 

Inclusão sem igual – entre iguais

Compaixão é perfume floral

Pólen da vida, infinitesimal

Compaixão, leveza e graça

Pólen fumaça que o vento levou

Flor carmesim

No jardim do coração

Desabrochou

Porta aberta escancarada

Invasão da bicharada

Arca de Noé – feita sob medida

Guarida

Sob medida somos

Voz dos que não têm voz

Humanos – demasiadamente humanos

Nós – vegetarianos

Feitos sob medida

Para amar sem medida

Amor incondicional

Inclusão total

Tudo isso e nada mais que isso

Paz e Amor bicho

Assim é que somos

Humanos – gente

Somos nós

Todos nós

Vegetarianos.